Pena & Tinta: Uma Gaveta Cheia de Memórias


Eu estava saindo do quarto quando passei em frente a cômoda e repentinamente foi como se uma das gavetas me chamasse. Como se o sussurro dos objetos guardados lá dentro chegassem até mim, implorando para serem libertados. Foi como se as memórias contidas por aquelas placas de madeira insistissem em escapar entre as frestas e me tocarem, fazendo-me relembrar coisas que não fazem mais parte de quem eu sou.

Então eu não deveria abri-la, mas a passos lentos e hesitantes eu me dirigi até ela e acabei por abri-la. Um erro? Talvez. Mas quem sabe fosse exatamente o que eu precisava, ver quem um dia fui e o que fiz para conseguir, finalmente, descobrir quem sou hoje. Então, eu abri a gaveta e fui atingida por uma onda - não, um tsunami - de lembranças, recordações e pequenas coisas que um dia significaram um mundo para mim.

Depois de um tempo eu me vi sentada no chão, ao lado da gaveta escancarada, rodeada de cartões, cartas, conchinhas, lacres de latinhas de coca, cristais, pedrinhas, pôsteres, revistas, recortes de jornais, desenhos e mais uma infinidade de coisas. Todas elas pertencendo a um eu do passado, mas ainda cheias de significados e ecos de recordações. Eu as espalho ao meu redor e aprecio cada uma, toco, sinto e relembro o que cada uma me tem a oferecer. É tão saudosista, tão nostálgico e tão... doloroso, de certa forma. Relembrar é viver, dizem. Viver é difícil e muitas vezes machuca, então quem sabe relembrar seja mesmo como viver. Uma mistura agridoce de ficar feliz pelos momentos que se viveu, tão felizes e cheios de amor e significados que passaram despercebidos quando aconteceram, mas com aquela pontada de saudade e melancolia por algo que já passou e não pode ser tomado de volta e revivido.


As horas que passei folheando essas revistas, lendo cada linha como se minha vida dependesse disso, recortando as melhores matérias pra ter sempre comigo o que estava escrito, os lacres de Coca-Cola coloridos, fiz um chaveiro improvisado com eles, Deus sabe o porquê. Os cartões postais que gostava de exibir na escola por serem bonitos e as conchas que adorava ficar admirando e sentindo na palma da minha mão. Ah, bons tempos aqueles. Eu sabia que as coisas eram fáceis, que tudo era simples e tenro, fluído e claro como a água de um rio, mas então as coisas ficaram complicadas com o passar dos anos e agora a felicidade, mesmo que agridoce, só vem nesses momentos de nostalgia. 

O simples cheiro que essa gaveta lotada de fantasmas exala me faz retrair. Som e cheiros, os maiores propulsores de lembranças. Porém, mesmo triste e desejosa daquela vida descomplicada de volta, meu coração se aquece ao saber que já fui feliz um dia graças a coisas tão simples como uma pedrinha que encontrei em um rio, e que aquilo me tocou tanto que a guardei até hoje. Talvez relembrar seja viver mesmo: (con)viver com o passado enquanto tenta-se encontrar e moldar o futuro. 


Pena & Tinta é um projeto de escrita criativa com o objetivo de criar textos (crônicas, contos, poesias, relatos pessoais etc) mensalmente em cima de um tema predeterminado. O tema de junho foi Nostalgias, e se você quiser participar, é só acessar o grupo no Facebook.



8 comentários:

  1. Muito lindo. Nostalgia é quase meu sobrenome...
    Amei o texto, me fez viajar, assim como faço quando leio um bom livro.
    As fotos que você escolheu se encaixaram perfeitamente também.

    Beijos !

    ooutroladodaraposa.blogspot.com.br

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  2. Dona Debora, estou lendo esse texto pela segunda vez hoje e estou até agora tentando entender como você pôde cogitar não postá-lo aqui. Tá maravilhoso, de verdade. E se mês passado o seu texto esteve entre os meus preferidos, esse, com certeza, é o preferido desse mês.
    É de um sentimentalismo absurdo, bem escrito, bem articulado. E eu me identifiquei de uma maneira incrível. Porque eu tenho uma caixinha onde guardo muito dessas coisas que você citou, desses fantasmas. Cartas, bilhetes, presentes, recordações, fotos... De pessoas que estão comigo até hoje e de gente que a vida levou; de lugares que visitei, das coisas que ganhei. E guardo tudo para não esquecer de nada que vivi e senti.
    Tá muito, muito lindo, de verdade, Debs.
    Beijo

    www.blogrefugio.com

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    1. Aaaah Ceci! Te abraçando muito forte e apertado no momento! Muito obrigada por todos os elogios ❤ Eu sou meio insegura quanto a minha escrita e receber elogios como esse de você me deixam muito feliz e com um sorrisão no rosto!
      Beijos ❤

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  3. QUE TEXTO MARAVILHOSOOOO!!! Pode imprimir e colar na parede? Pode sim!
    Você escreve tão beeeem! Parabéns, Debs! Ficou lindo seu texto, todo carregado de sentimento da maneira mais leve possível. Tá delicadíssimo e até eu fiquei nostálgica daqui. Todo mundo tem sua caixinha de lembranças, né? Acho lindo. Imagina abrir a sua daqui a 30 anos, que sensação que não vai ser?
    "Talvez relembrar seja viver mesmo: (con)viver com o passado enquanto tenta-se encontrar e moldar o futuro." Só amor por você e essa frase. <3

    Beijooo!

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    1. Muuuuuito obrigada, Denise ❤❤❤
      Eu deixei o pensamento fluir e foi o que acabou saindo, fico mega feliz que você gostou! É muito importante pra mim saber a opinião de vocês!
      Beijooos

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  4. Heeeey, Debs! Olha eu aqui...!
    Que fofo o seu texto! Também tenho uma caixa onde eu guardo as coisas que foram de alguma forma importantes na minha vida, mas lendo o seu texto reparei que cada vez menos eu tenho colocado coisas naquela caixa e menos ainda abro ela e vou lá dar uma espiadinha na saudade que ela exala. Me senti triste e revigorada ao mesmo tempo lendo o seu texto, quero voltar a encontrar pequenas alegrias em conchas aleatórias e fragmentos de música! E claro, parabéns pelo maravilhoso texto! <3
    Beijos!

    Tici | www.bibliophiliarium.com

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  5. Debora, Debora, Debora ... Vou ficar repetindo o seu nome eternamente, pois a verdade é que eu não sei qual caminho devo seguir com esse meu comentário tão simples e pequeno, quando comparado a beleza e grandeza do seu texto !!! ^^
    Simplesmente amei, ponto.
    Poderia ficar lendo e relendo o seu texto, em um loop infinito no tempo. Não me cansaria dele, pois cada palavra guarda uma verdade e uma beleza que somente quem já passou por uma experiencia parecida com a expressada em seu texto pode descrever. Que sentimento estranho é a nostalgia. Nunca me dei bem com ela/ele, nunca consegui entender como esse sentimento pode trazer ao mesmo tempo uma alegria pura e uma tristeza tão melancólica, mas a verdade é que precisamos disso. Precisamos recordar e reviver.
    É como você disse: Talvez relembrar seja viver mesmo: (con)viver com o passado enquanto tenta-se encontrar e moldar o futuro. ^^
    Bom ... Não sei em que ponto cheguei, mas quero que saiba, mais uma vez, que amei seu texto !!!

    Beijinhos
    Hear the Bells

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