Resenha: Holocausto Brasileiro - Daniela Arbex

Título: Holocausto Brasileiro
Autor(a): Daniela Arbex
Editora: Geração Editorial
Páginas: 256


Neste livro-reportagem fundamental, a premiada jornalista Daniela Arbex resgata do esquecimento um dos capítulos mais macabros da nossa história: a barbárie e a desumanidade praticadas, durante a maior parte do século XX, no maior hospício do Brasil, conhecido por Colônia, situado na cidade mineira de Barbacena. Ao fazê-lo, a autora traz à luz um genocídio cometido, sistematicamente, pelo Estado brasileiro, com a conivência de médicos, funcionários e também da população, pois nenhuma violação dos direitos humanos mais básicos se sustenta por tanto tempo sem a omissão da sociedade. Pelo menos 60 mil pessoas morreram entre os muros da Colônia. Em sua maioria, haviam sido internadas à força. Cerca de 70% não tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcoólatras, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava ou que se tornara incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos 33 eram crianças.


Recebi, recentemente, a indicação do livro Holocausto Brasileiro da premiada jornalista brasileira Daniela Arbex. Já sabia que esta seria uma leitura forte e que me emocionaria. Felizmente, posso dizer que assim foi. Por isso hoje vou falar um pouco sobre a importante denúncia que Daniela traz, convidando-nos a ser brasileiros mais humanos, envergonhados da omissão à crueldade que por décadas mantemos.
Enquanto o silêncio acobertar a indiferença, a sociedade continuará avançando ao passado de barbárie. (p.255)

Este é um livro-reportagem, sobre o Hospital Psiquiátrico de Barbacena - MG, palco de uma das maiores e mais longas tragédias brasileiras, lugar onde a desumanidade, a dor, a crueldade e o comércio humano estiveram travestidos de hospital sob um discurso de limpeza e cura. Este foi cenário de barbárie e da dor de milhares de internos, que puderam ser finalmente e profundamente conhecida através dos olhos e da história de alguns protagonistas que conseguiram, depois de tantos anos, contar suas histórias para Daniela.
Histórias como a da funcionária Marlene Laureano, do vigia Geraldo Magela Franco, da funcionária Francisca Moreira dos Reis (para falar só em alguns dos funcionários do hospital), cujos olhos testemunharam tamanha crueldade quanto lhes é possível hoje relatar e, por mais que relembrar e falar de tudo possa doer, não dói mais do que a omissão forçada mantida por tantos anos.
Nenhum deles foi capaz de fazer os abusos cessarem. Dentro do hospital, apesar de ninguém ter apertado o gatilho, todos carregam mortes nas costas. (p. 43)
A história de pacientes como a corajosa e audaciosa Conceição Machado, mandada ao Colônia aos quinze anos por reivindicar ao pai a mesma remuneração que seus irmãos homens pelo trabalho na fazenda da família.
Um dia indignada com o descaso imposto aos pacientes, ela tomou o caminho da sala do então diretor José Theobaldo Tollendal. Entrou gritando. Surpreso, ele levantou-se da cadeira. Ficaram separados pela mesa.
– Senhor diretor, prove este café. Se servir para o senhor tomar, também serve para as pacientes – desafiou Conceição. (p. 41)
Ou a história da franzina e bela Geralda Siqueira Santiago, vítima de inúmeros abusos de seu patrão e levada ao Colônia aos catorze anos grávida e tirada de seu filho, João Bosco, quando este tinha de dois anos. Depois de cerca de quarenta anos de angústia por ter que dar como morto um filho vivo, em 2011 eles puderam se reencontrar.

Me emocionei especialmente com a histórias dos meninos de Oliveira, o Hospital de Neuropsiquiatria Infantil no município de Oliveira. Um depósito de crianças portadoras de algum tipo de deficiência física ou mental, que sofreram abusos dentro do hospital nas mais tenras idades. Fechado em 1976, 33 das crianças de Oliveira foram mandadas à Barbacena, onde as condições e o "tratamento" só pioraram. Elza Maria do Carmo, José Machado, Silvio Savat, Antônio Martins Ramos, Maria Cláudia Gueijo, Wellington Albino e Wanda Lúcia são os ex-meninos sobreviventes de Barbacena, e pelos quais derramei lágrimas e aos quais, posso dizer, que tenho carinho. Carinho este, também por Irmã Mercês, mãe destes meninos, cujo cuidado e interminável dedicação e fé, os ensinou a viver de novo.

Só cito algumas das inúmeras histórias manchadas pela crueldade no Colônia, não somente dos que lá passaram anos presos, mas também daqueles que testemunharam e lutaram para denunciar tamanho genocídio. Como o fotógrafo da revista O Cruzeiro, Luiz Alfredo, que deixou seu nome na história ao registrar as mais fortes e dramáticas cenas de sua vida. Junto com o repórter José Franco, ambos mal podiam lidar com o que estava diante de seus olhos.
– Aquilo não é um acidente, mas um assassinato em massa. Só precisei clicar a máquina, porque o terror estava ali. (p.172)
O livro conta ainda, com 13 páginas com as fotos impactantes tiradas por Luiz Alfredo. Assim como, fotos de funcionários, ex-internos, médicos, psiquiatras, todos que fizeram parte desta história e do fim dela. 

Book Trailer:

Não deixem de ver o documentário feito pelo cineasta Helvécio Ratton em 1979 no interior do Colônia. Em nome da Razão exibiu relatos de pessoas que estavam a vida inteira internadas por causa de brigas familiares, do abuso de álcool e de comportamento homossexual.
– O cheiro deste lugar é indescritível. É o cheiro de suor, de fezes, de sofrimento, de gente amontoada, de falta de higiene. (fala de Helvécio Ratton presente no livro) (p.216)
Daniela Arbex realizou um trabalho surpreendente que só poderia ter sido tão bem concluído com uma imensa dedicação e paixão por esta pesquisa. Deixo aqui meu agradecimento à jornalista, como estudante de Psicologia esta obra em muito contribuiu para minha formação acadêmica, bem como para minha formação ética pessoal, obrigada.
Não só recomendo a leitura, mas deixo já dito que a considero indispensável.

2 comentários:

  1. Eu quero muito ler este livro!
    Não li a resenha pq n queria spoiller. rs
    Mas acho muito bacana o tema que aborda!
    Bjoss

    http://fotografiaeleitura.blogspot.com.br/

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    1. O livro é realmente ótimo, e o tema é algo sobre o qual, acredito eu, que devêssemos falar e nos informar melhor.
      Espero que você possa ler em breve!

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